Em crise, Portugal discute “absorção” pela Espanha

Parece que a coisa tá feia lá na terrinha. Mas não sei se os caras não viajaram nessa matéria porque já vi alguns portugueses dizerem que não é nada disso e que tudo não passa de puro sensacionalismo.

Reportagem de VITORINO CORAGEM

Folha de São Paulo DOMINGO, 12 DE NOVEMBRO DE 2006 pág, A33

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Quase metade dos espanhóis e um em cada quatro portugueses defendem que Portugal e Espanha deveriam ser um país único. Estas são as principais conclusões de duas pesquisas realizadas em outubro nos dois países. Sem projeto político que aponte uma união ibérica, os resultados despertaram po­lêmica. Portugal vive uma gra­ve crise económica e as empresas espanholas marcam cada vez mais presença no país. Depois de mais de 800 anos da independência e de várias lutas pela soberania, 27,7% dos portugueses inquiridos pela pesquisa do semanário "Sol" gostariam que os dois países se unissem, vivendo em regime republicano (63,9%), com a capital do novo Estado em Lisboa (40,7%). O dado mais relevante desse estudo é que 96,5% acreditam que a economia cresceria mais se Portugal pertencesse ao país vizinho.

No estudo realizado na Espanha pelo instituto Ipsos para a revista "Tiempo", 45,7% dos espanhóis consultados querem a união entre Portugal e Espanha, 43% defendem que o novo país deve chamar-se Espanha, tendo Madri como capital (80%) e mantendo o regime monárquico.

Do lado português, os analistas salientam que os resultados são, sobretudo, a expressão do descontentamento diante da crise económica que o país atravessa e não um desejo de perda de soberania.

Voltando a imigrar

Para enfrentar um déficit público de quase 7% em 2005, o premiê português José Sócrates implementou neste ano um pacote de ajuste, dando origem a inúmeras greves. O número de desempregados em Portugal não pára de subir desde 2001. Em 2005, meio milhão de pessoas inscreveram-se nos centros de emprego, um recorde.

Como consequência, cerca de 7.000 portugueses saíram do país, no ano passado, para trabalhar em outros países eu­ropeus. Atualmente, a comunidade portuguesa é a maior da União Européia a residir na Espanha, estando inscritos na Previdência espanhola mais de 66 mil portugueses. A região da Catalunha é a que tem mais imigrantes registrados, cerca de 22,84% do total.

A tendência também se verifica com os imigrantes em Portugal. De acordo com o jornal "La Vanguardia", uma porcentagem significativa de ucranianos, brasileiros e africanos mudou-se para o país vizinho para fugir da crise económica.

No que diz respeito ao custo de vida, muitos habitantes de cidades perto da fronteira fazem compras na Espanha, pois os alimentos e a gasolina são mais baratos. De acordo com a Associação de Comércio de Badajoz, 20% dos clientes do comércio espanhol das zonas fronteiriças são portugueses. O consumo de eletricidade também pune os portugueses. Os impostos para os consumidores domésticos são 18% mais caros em Portugal do que na Espanha.

Cresce dependência

A Espanha é um país composto por 17 comunidades autónomas, com diferenças culturais e linguísticas. De acordo com a vontade de quase metade dos espanhóis, Portugal passaria a fazer parte deste xadrez, mantendo-se o regime monárquico e Madri como capital. Portugal é o quarto cliente da Espanha e esta é o seu principal fornecedor e cliente.

Desde 1986, a dependência piorou em vários setores, como bens agrícolas, indústrias alimentares, indústria química, calçado e máquinas elétricas. Basta olhar para as prateleiras de um supermercado para reparar na quantidade de produtos espanhóis, cuja presença é maior do que em qualquer outro país europeu.

Progressivamente, as empresas espanholas vão conquistan­do o mercado português. No mês passado, o grupo de mídia espanhol Prisa anunciou o lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre a totalidade das ações da Media Capital, empresa portuguesa que é dona de vários meios de comuni­cação.

Nos últimos anos, agricultores espanhóis têm comprado terrenos no Alentejo aproveitando os preços baixos das propriedades. Ao implementar uma agricultura intensiva, conseguem criar produtos que chegam aos consumidores com preços reduzidos.

Ainda longe de ser um sonho para a maioria dos portugueses, a união entre os dois países revela-se na realidade como uma absorção económica do mercado português por parte de "nuestros hermanos".

Postar um comentário

0 Comentários